terça-feira, 31 de julho de 2012

Resenha: A vida na porta da geladeira*


Romance de estreia da inglesa Alice Kuipers, A vida na porta da geladeira, publicado pela WMF Martins Fontes (2009), de título original Life on the refrigerator doortem uma narrativa surpreendente.

A história se estabelece na troca incessante de bilhetes entre uma mãe, médica, ocupadíssima, e sua filha adolescente, que moram juntas, mas que muito pouco se veem.

Quando a gente imagina uma história contada por bilhetes fixados diariamente na porta da geladeira de casa, o primeiro sentimento é o de curiosidade. E o segundo é o de desconfiança. Pelo menos comigo foi assim. Logo que li a orelha do livro e o folheei rapidamente, pensei o quanto poderia ser monótona essa troca de bilhetes. Mas não é!

Não há narrador, não há personagens secundários e ambas são protagonistas. O set da narrativa, arrisco aqui, é o próprio relacionamento entre as duas, é a psique entremeada ao diálogo. E, o diálogo, por si, faz o papel de narrador, uma vez que a autora consegue, com sutileza, imprimir ritmo, dramaticidade e tensão, às vezes numa simples mudança de enunciado do bilhete, como, ao invés de: “Claire”; para: “Pobre Claire”. Ou nas frases de despedida nos bilhetes da filha: “Com amor, sua filhinha”. Quando falo do diálogo, como narrador, é porque essa representação das conversas entre as duas, que não se veem, mas parecem tão perto uma da outra, nos dá a sensação de uma terceira voz na narrativa.

A vida na porta da geladeira surpreende na medida em que Kuipers consegue, entre listas de compras e outros avisos tão cotidianos escritos nos bilhetes à filha, alinhar uma relação de cumplicidade entre ambas, com muita intensidade, apesar da ausência. A narrativa é um jogo, com constância, e um final avassalador em que, talvez, ninguém perca nessa relação tão distante. Afinal, depois da tragédia, a filha ainda aguarda um possível bilhete da mãe na porta da geladeira. Quem sabe!


* por Pierre Porto Silveira, redator, editor de cultura e colaborador do Prolij. Disponível em http://cidadecultural.blogspot.com.br/2012/05/resenha-vida-na-porta-da-geladeira.html.


Link para download do livro: http://www.sendspace.com/file/vr3uc5

terça-feira, 1 de maio de 2012

Uma definição de felicidade


Stephen Kanitz*


Todas as profissões têm sua visão do que é felicidade. Já li um economista defini-la como ganhar 20.000 dólares por ano, nem mais nem menos. Para os monges budistas, felicidade é a busca do desapego. Autores de livros de auto-ajuda definem felicidade como "estar bem consigo mesmo", "fazer o que se gosta" ou "ter coragem de sonhar alto". O conceito de felicidade que uso em meu dia-a-dia é difícil de explicar num artigo curto. Eu o aprendi nos livros de Edward De Bono, Mihaly Csikszentmihalyi e de outros nessa linha. A ideia é mais ou menos esta: todos nós temos desejos, ambições e desafios que podem ser definidos como o mundo que você quer abraçar. Ser rico, ser famoso, acabar com a miséria do mundo, casar-se com um príncipe encantado, jogar futebol, e assim por diante. Até aí, tudo bem. Imagine seus desejos como um balão inflável e que você está dentro dele. Você sempre poderá ser mais ou menos ambicioso inflando ou desinflando esse balão enorme que será seu mundo possível. É o mundo que você ainda não sabe dominar. Agora imagine um outro balão inflável dentro do seu mundo possível, e portanto bem menor, que representa a sua base. É o mundo que você já domina, que maneja de olhos fechados, graças aos seus conhecimentos, seu QI emocional e sua experiência. Felicidade nessa analogia seria a distância entre esses dois balões - o balão que você pretende dominar e o que você domina. Se a distância entre os dois for excessiva, você ficará frustrado, ansioso, mal-humorado e estressado. Se a distância for mínima, você ficará tranquilo, calmo, mas logo entediado e sem espaço para crescer. Ser feliz é achar a distância certa entre o que se tem e o que se quer ter.
O primeiro passo é definir corretamente o tamanho de seu sonho, o tamanho de sua ambição. Essa história de que tudo é possível se você somente almejar alto é pura balela. Todos nós temos limitações e devemos sonhar de acordo com elas. Querer ser presidente da República é um sonho que você pode almejar quando virar governador ou senador, mas não no início de carreira. O segundo passo é saber exatamente seu nível de competências, sem arrogância nem enganos, tão comuns entre os intelectuais. O terceiro é encontrar o ponto de equilíbrio entre esses dois mundos. Saber administrar a distância entre seus desejos e suas competências é o grande segredo da vida. Escolha uma distância nem exagerada demais nem tacanha demais. Se sua ambição não for acompanhada da devida competência, você se frustrará. Esse é o erro de todos os jovens idealistas que querem mudar o mundo com o que aprenderam no primeiro ano de faculdade. Curiosamente, à medida que a distância entre seus sonhos e suas competências diminui pelo seu próprio sucesso, surge frustração, e não felicidade.
Quantos gerentes depois de promovidos sofrem da famosa "fossa do bem-sucedido", tão conhecida por administradores de recursos humanos? Quantos executivos bem-sucedidos são infelizes justamente porque "chegaram lá"? Pessoas pouco ambiciosas que procuram um emprego garantido logo ficam entediadas, estacionadas, frustradas e não terão a prometida felicidade. Essa definição explica por que a felicidade é tão efêmera. Ela é um processo, e não um lugar onde finalmente se faz nada. Fazer nada no paraíso não traz felicidade, apesar de ser o sonho de tantos brasileiros. Felicidade é uma desconfortável tensão entre suas ambições e competências. Se você estiver estressado, tente primeiro esvaziar seu balão de ambições para algo mais realista. Delegue, abra mão de algumas atribuições, diga não. Ou então encha mais seu balão de competências estudando, observando e aprendendo com os outros, todos os dias. Os velhos acham que é um fracasso abrir mão do espaço conquistado. Por isso, recusam ceder poder ou atribuições e acabam infelizes. Reduzir suas ambições à medida que você envelhece não é nenhuma derrota pessoal. Felicidade não é um estado alcançável, um nirvana, mas uma dinâmica contínua. É chegar lá, e não estar lá como muitos erroneamente pensam. Seja ambicioso dentro dos limites, estude e observe sempre, amplie seus sonhos quando puder, reduza suas ambições quando as circunstâncias exigirem. Mantenha sempre uma meta a alcançar em todas as etapas da vida e você será muito feliz.

(KANITZ, Stephen. In: Revista Veja, edição 1910, ano 38, nº 25, 22 de junho de 2005, página 24)


*Stephen Kanitz é administrador por Harvard.


----------------------------------------

Após a leitura do texto, faça uma reflexão sobre o que é felicidade para você.

sábado, 14 de abril de 2012

O silêncio - Arnaldo Antunes (1996)





Biografia

Arnaldo Augusto Nora Antunes Filho
(São Paulo SP 1960)

Compositor, intérprete e poeta. Faz música, poesia, performances e intervenções em outros meios desde 1980. Cursa a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), sem conseguir terminar. Edita as revistas de poesia Almanak 80 (1980), Kataloki (1981) e Atlas (1988). Publica quatro livros de poesia: OU É (álbum de poemas visuais, 1983); Psiá (1986); Tudos (1990); e As Coisas (1992). Participa de diversas mostras de poesia visual no Brasil e no exterior, entre 1983 e 1994. Entre 1980 e 1981, integra a Banda Performática, com a qual lança um álbum em 1981. Integra o grupo Titãs, com o qual lança sete álbuns, de 1982 a 1992. Com a banda, realiza inúmeras excursões por todo o Brasil e ainda em Portugal, Estados Unidos e Suíça. Tem composições em parceria com Jorge Benjor, Marisa Monte, Gilberto Gil, Marina Lima, Arto Lindsay, Péricles Cavalcanti, João Donato, Cazuza, Carlinhos Brown, Roberto Frejat, Edgard Scandurra, Arrigo Barnabé, Paulo Leminski, Alice Ruiz e Roberto de Carvalho, além dos Titãs. Gal Costa, Jorge Benjor, Marisa Monte, Gilberto Gil e Caetano Veloso, Maria Bethânia, Marina Lima, Sandra de Sá, Barão Vermelho, Ney Matogrosso, Adriana Calcanhotto, Cássia Eller, Roberto de Carvalho, Cazuza, Ira! e Péricles Cavalcanti são alguns dos artistas que já gravaram suas canções. Lança seu primeiro álbum-solo Nome (1993), acompanhado de um vídeo e um livro, compondo um projeto multimídia com poesia, música e animação em computador. Em 1995, lança o álbum Ninguém, e, em 1996, O Silêncio.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Resumo: O olho de vidro do meu avô


É o homem que ainda guarda o olho de vidro do avô, mas é o menino que percorre com o leitor os caminhos de Bom Destino, cidade pequena e plana, cansada de tanta paz, em que o tempo parece escorrer mansamente. O avô reina misterioso: com o olho direito, via o sol, a luz, o futuro, o meio-dia, e, com o olho esquerdo, via a lua, o escuro, o passado, a meia-noite; o neto fascinado embrenha-se no mistério como quem não vê, que é o jeito de menino ver.


O avô usa um olho de vidro. Como isso aconteceu, não se sabe: parece que o olho de vidro não existe se não se fala dele, mas para o menino, curioso e imaginativo, o olho de vidro provocava atração e receio. Aos poucos, o leitor pode recolher aqui e ali fragmentos da história do avô: ele receitava remédios homeopáticos, tinha sete filhos, um outro amor.


Nesse livro, o autor percorre, mais uma vez, os labirintos da memória, principalmente a memória da infância a qual Santo Agostinho, no trecho escolhido como epígrafe, afirma já não existir no presente, mas existir no passado que já não é.


O discurso da memória, que organiza lembranças e esquecimentos, cria também recordações: a memória tem aquela qualidade nebulosa e fugidia. O que é experiência tornada relato? O que é experiência transformada em narrativa? Aquilo de que nos lembramos, necessariamente,
corresponde à verdade dos acontecimentos? Quem pode atestar a verdade do que se lembra? O outro? Como se ele próprio também fosse submetido às mesmas contingências?


Bartolomeu recria a infância com a poética das palavras: os sentimentos vividos, os episódios cuidadosamente guardados se extravasam em linguagem permeada de música e de silêncio que rompe as fronteiras do tempo.


(Disponível em: http://literatura.moderna.com.br/catalogo/sinopse/85-16-04192-1.pdf)


***


Título: O olho de vidro do meu avô
Autor: Bartolomeu Campos de Queirós
Editora: Moderna

domingo, 1 de abril de 2012

Para inaugurar o blog, um poema de Cecília Meireles:


Tanta Tinta


Ah! Menina tonta,


toda suja de tinta
mal o sol desponta!

(Sentou-se na ponte,
muito desatenta...
E agora se espanta:
Quem é que a ponte pinta
Com tanta tinta?...)

A ponte aponta
e se desaponta.
A tontinha tenta
limpar a tinta,
ponto por ponto
e pinta por pinta...
Ah! A menina tonta!
Não viu a tinta da ponte!


***


Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Rio de Janeiro7 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964) foi uma poetisapintoraprofessora e jornalista brasileira. É considerada uma das vozes líricas mais importantes das literaturas de língua portuguesa.

(Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Cec%C3%ADlia_Meireles)